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Laurindo Afonso: alguém para nunca esquecer

19 DE DEZEMBRO DE 2015 - ATUALIZADA EM 21 DE DEZEMBRO DE 2015 | Redator: Kamilla Alves/ABCCC

A Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos (ABCCC) informa com tristeza a todos os crioulistas, o falecimento de Laurindo Afonso. Aos 52 anos, o ginete tinha em sua bagagem três Freios de Ouro. No ano de 1991, levou o título ao lado do garanhão Hospedeiro de Santa Edwiges, em 1992 junto a BT Balconeiro e, em 1997, sagrou-se campeão no lombo de BT Inteiro do Junco. Atualmente, Afonso trabalhava na Cabanha Benvenutti, localizada em Brusque/SC, onde também residia. 


 


Em julho de 2013, o Jornal Cavalo Crioulo publicou uma matéria especial realizada com Afonso. Em homenagem a esta figura singular e que tanto colaborou com o desenvolvimento da raça, reproduzimos a reportagem. Confira o texto abaixo:


 


Pela manutenção do treinamento tradicional


Douglas Saraiva


 


Na contramão de um movimento de renovação que nos últimos anos tem revelado jovens fenômenos da equitação no sul do país, um símbolo da resistência insiste em seguir sobre a sela e manter vivas as clássicas técnicas de treinamento das primeiras seletivas da raça. Laurindo Afonso Paiva Santana, um dos mais antigos vencedores do Freio de Ouro em atividade, busca nos novos ginetes a atualização, sem deixar de lado a experiência adquirida em três décadas de dedicação ao cavalo Crioulo.


 


Esbanjando vitalidade, Afonso - como é chamado no meio – é uma espécie de referência entre as novas gerações. Aos 50 anos, completados em fevereiro deste ano, o ginete corre e fala com a propriedade de quem passou por todas as fases do Freio de Ouro e já levantou por três vezes o principal prêmio da prova: em 1991 com Hospedeiro de Santa Edwiges, em 1992 montando BT Balconero e mais tarde, em 1997, com BT Inteiro do Junco.


 


“O Freio mudou muito desde que corri as primeiras vezes, há mais de 20 anos. Mas mudou para melhor. Naquela época os cavalos não tinham muito polimento e hoje já é bem diferente. Eu acompanho bastante os treinadores novos, os caras das Rédeas trouxeram muita coisa boa, e eu procuro conversar e aprender com eles. Não podemos virar as costas para o que é bom”, diz.


 


E da mesma forma, com respeito e admiração, é que adquiriu o conhecimento que hoje divide com os mais jovens. Ainda lembra quando, aos dez anos, assistiu a uma prova em Bagé/RS, e ficou fascinado com a forma como Vilson Souza dominava as rédeas e controlava a égua baia Amarela do Cinco Salsos. “Ele ganhou aquela prova e eu pensei: ‘Que homem campeiro!’ No ano seguinte vi ele ganhar de novo. Ele era diferenciado”.


 


Um tempo depois, o destino levou Laurindo Afonso para trabalhar em uma fazenda ao lado de onde Souza atuava e acabou aproximando o dois. Dessa vez, foi Vilson quem se encantou com o talento precoce do jovem cavaleiro. “Um dia o sr. Vilson me viu montando e disse que eu levava jeito. Então, em 1985, ele me convidou e eu fui para a Parada Pons trabalhar com ele”, recorda. “Foi a primeira pessoa que me ensinou a trabalhar com cavalo de prova”.


 


Dali em diante foram dez anos morando junto com o professor com o qual aprendeu as maiores lições. Muitos desses ensinamentos, inclusive, Afonso carrega consigo até hoje assim como a lembrança das palavras de Souza sempre que, afoito, se adiantava à rês na saída do brete. “Ele me dizia: ‘Meu filho, não vai. Tu tens que esperar a hora certa’. E eu sempre partia antes do tempo”, conta.


 


Quase três décadas depois, o experiente ginete reconhece a importância daquelas palavras, ciente do quanto a calma e a paciência são importantes, principalmente na etapa de campo. “A prova acaba nos bois. Ali, quem for campeiro vai levar. Hoje eu tento usar o raciocínio e essa experiência que eu tenho para correr ao lado desse pessoal novo”.


 


De aula em aula, entre erros e acertos, foi se fazendo o ginete que, entre outras lições, aprendeu também a tirar o melhor de cada cavalo. Saber explorar ao máximo aquilo que cada animal pode fazer de melhor e evitar erros foram as virtudes que lhe garantiram as primeiras conquistas. Nas palavras do próprio Afonso, ter o cavalo na mão faz toda a diferença.


 


“Em 91 nós tínhamos um cavalo muito bom que era o BT Ultrillo. Ele era o craque, e não o Hospedeiro. Mas no final o Ultrillo errou e eu ganhei o Freio com um cavalo bom, mas que não era o melhor. A diferença é que a gente não errou. E em 92 ganhei com o Balconero que era bom de preparo e máquina, mas não tinha a movimentação do Ultrillo ou do Bico de Ferro. E eu aprendi isso, que aquele que erra menos e tem bom preparo pode vencer”.


 


Apesar das vitórias e conquistas, o ginete também passou por alguns períodos de dificuldade. Ironicamente, depois de viver tantas alegrias montado, em 2006 Afonso literalmente caiu do cavalo e quebrou o fêmur. Depois de um período parado, quando estava se recuperando, cai mais uma vez e quebra de novo a perna. Um tempo depois acabou quebrando também a clavícula. Nada disso porém o fez parar ou desistir.


 


Atualmente recuperado e adaptado às novas exigências do julgamento, Afonso conta que não abre mão do estilo de trabalho. Para o polimento final e apresentação, gosta de observar o pessoal mais novo e outros cavaleiros como Jango Salgado – com quem aprendeu muito sobre o preparo considerado por ele como “o mais parecido com o tradicional gaúcho”. Mas uma coisa ele não muda. A forma de treinamento que aprendeu com Vilson Souza, diz, não vai deixar nunca.


 


Todo o emprenho e a dedicação no retorno já estão dando bons resultados. Além do Freio de Ouro, no qual está com a classificação garantida de pelo menos uma égua para a final desse ano, também prepara animais para a Morfologia. Na atual temporada, já conquistou três passaportes e, pelo planejamento, ainda deverá entrar em pista mais vezes até o fim do ciclo para tentar outras vagas em Esteio/RS.


 


Mas a coisa não é fácil. Na verdade, confirmar a presença na final está a cada ano mais difícil. Até mesmo os julgamentos, para ele, eram diferentes no início. No seu ponto de vista, há alguns anos, as avaliações eram mais sérias e as notas mais claras para quem corria. “Se vinha perdendo o boi, a nota era quatro ou cinco. Se não pecho, não ganhava nota. E era assim. Agora, dependendo dos jurados, a gente sabe que vai ser diferente”.


 


No entanto, o ginete não vê retrocessos no processo. Pelo contrário, enxerga com bons olhos o crescimento da raça e a sua expansão pelo país. Depois de algum tempo trabalhando em São Paulo, está há cinco anos em Santa Catarina, tendo atuado primeiro em Lages e, nos últimos dois, em Brusque, onde reside. Neste período, acompanhou o intenso fluxo de animais migrando em direção ao Centro e ao Norte do país e viu de perto o Crioulo estender suas rédeas e chegar às mãos de muita gente nova.


 


“Hoje em dia está tudo muito grande e não tem mais nenhum bobo na raça”, afirma, destacando que o acesso à informação e à orientação dos técnicos facilitou o ingresso de fortes investidores e de novos interessados. “E ainda tem muito para crescer”, prevê, assim como o próprio trabalho que, mesmo mantendo características tradicionais, seguirá em evolução e prestando a sua contribuição à seleção da raça. “Vou seguir montando com a turma enquanto conseguir fazer as provas”, garante.